NOSSA POLITÍCA

4 de dez. de 2011

Loja digital da Apple chega em breve ao Brasil

Música a R$ 1,99

A iTunes Store, loja digital da Apple, chegará em breve ao Brasil. Será que com ela os brasileiros vão voltar a pagar pelas canções?

BRUNO FERRARI E LUÍS ANTÔNIO GIRON. COM ANDRÉ SOLLITTO, DANILO VENTICINQUE E DANILO CASALETTI
ITunes (Foto: Marcos de Paula/AE (2), Wilton Junior/AE, Marcelo Theobald/Extra/Ag. O Globo, Davilym Dourado/ÉPOCA, Fotoarena/AE, Carlos Prates/Ed. Globo, Alexandre Rezende/Folhapress, Na Lata/Ed. Globo)

No início de 2003, o cineasta brasileiro Leandro Caires, de 26 anos, participou de um dos momentos mais importantes da história da indústria fonográfica americana. No final do mês de abril daquele ano, Leandro, que morava com a família em Boston, nos Estados Unidos, assistiu pela TV a Steve Jobs, fundador da Apple, apresentar a loja on-line iTunes Store. Jobs, que tinha lançado dois anos antes o iPod, um aparelhinho que se tornara febre de vendas, estava empolgado. Pelo software iTunes, as pessoas teriam acesso a uma loja virtual para comprar músicas legalmente. Era só instalar o programa, navegar nos álbuns dos artistas, dar dois cliques e pronto: a música já estava em seu iPod. E o melhor: você poderia comprar músicas avulsas, por um preço acessível: em média, US$ 0,99 por faixa. O catálogo tinha pouco mais de 200 mil músicas, cerca de 1% da base atual de 20 milhões. A novidade fascinou Leandro, na época um adolescente que baixava tudo de graça na internet. Naquele momento, ele decidiu começar a pagar pelas músicas. “Era barato, seguro e com uma qualidade melhor do que você encontrava em sites de download”, diz. Leandro voltou ao Brasil em 2007. Continuou comprando as músicas americanas com sua conta criada lá. Mas não encontrava artistas brasileiros de sucesso. “As músicas nacionais, baixo na internet ou compro o CD”, afirma. Agora, oito anos depois, Leandro está diante de uma nova guinada no mercado fonográfico. Desta vez, do brasileiro.
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mensagem707 (Foto: reprodução) A Apple deve abrir nos próximos dias a filial brasileira da iTunes Store. O lançamento faz parte da aproximação do país da empresa, que prepara uma linha de montagem de aparelhos em Jundiaí, no interior de São Paulo, e aprovou na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) a Apple TV, aparelho que toca vídeos de várias origens. Os rumores em torno da iTunes Store cresceram três semanas atrás, quando o colunista de ÉPOCA, Bruno Astuto, revelou que a Apple estaria montando dois escritórios em São Paulo para isso. E que enviou dos EUA um executivo para negociar com as gravadoras brasileiras. Segundo executivos da indústria fonográfica, a Apple quer vender boa parte das faixas aqui a R$ 1,99. O iTunes deve vender a princípio só para quem tem cartão de crédito internacional. Redes de varejo como Fnac, Extra e FastShop estão se preparando para vender cartões nos valores de R$ 10, R$ 20 e R$ 40. Procurada por ÉPOCA, a Apple não quis comentar nenhuma informação. Para o negócio dar certo, ela precisa enfrentar a cultura predominante no Brasil, que tolera a pirataria. Bens culturais, como filmes, músicas ou videogames, facilmente copiados na forma digital, são considerados por muitos brasileiros um produto sem valor de compra e venda. O resultado é que os profissionais envolvidos na criação dessas obras, sobretudo os próprios artistas, não são remunerados por seu suor e criatividade. Será que o iTunes conseguirá inverter essa lógica: incentivar as pessoas a pagar por produtos de boa qualidade e trazer o dinheiro de volta para a música?
O primeiro obstáculo que a Apple enfrentou foram, ironicamente, as próprias gravadoras. Durante os últimos anos, elas resistiram a qualquer acordo. Alegavam que perderiam dinheiro porque as vendas digitais canibalizariam a de CDs. Diziam que o retorno da iTunes Store não compensava o negócio. E que a oferta digital legal não bastaria para conter o crescimento da pirataria. A estratégia da Apple é sempre a mesma nos 30 países onde tem loja. Ela impõe um preço ao mercado. E o mercado aceita, porque precisa. Foi o que ocorreu nos EUA, no início dos anos 2000, quando as gravadoras americanas já não tinham forças para brigar contra os sites de download ilegal, como o Naspster. A oferta da Apple era a única salvação para uma indústria que caminhava para o naufrágio.
Olhando os números do mercado nacional, dá para perceber por que as gravadoras decidiram fechar os acordos agora. Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), o faturamento das principais empresas caiu de R$ 1,1 bilhão em 1997 para R$ 360 milhões em 2009. A cópia ilegal de músicas na internet é apontada como a principal responsável pela queda, pois a venda de discos piratas afeta mais o mercado de DVDs. Como consequência da queda nas vendas de CDs, a ABPD diminuiu as exigências para entrega de prêmios. Para ganhar um disco de ouro, um artista precisava vender 100 mil discos. Agora, bastam 50 mil. As vendas necessárias para ganhar um disco de platina diminuíram ainda mais: de 250 mil para 100 mil. Mesmo assim, poucos artistas conseguem atingir a marca. Paulo Rosa, presidente da ABPD, diz ter esperanças de que uma loja que venda músicas em um formato fácil para o consumidor recupere o mercado. “O iTunes tem tudo para funcionar tão bem aqui quanto nos outros países e consolidar a venda de música digital”, diz.
Os detalhes da negociação entre a Apple e as gravadoras são secretos. A expressão comum entre os altos executivos da indústria da música envolvidos com a Apple é “omertà”. O termo do dialeto siciliano designa o voto de silêncio que os membros da Máfia fazem ao entrar na organização criminosa. A “omertà” das gravadoras é uma brincadeira, porque a Apple exigiu silêncio completo sobre as negociações, os acordos e os preços. “Não posso falar nada”, diz Aloysio Reis, presidente da Sony/ATV Music Publishing. “É um acordo de absoluto silêncio entre todos nós e a Apple.” Alguns executivos comentam em sigilo que a Apple está dura nas negociações de preço para download da faixa digital. “A Apple quer um valor universal que não achamos justo, porque há variações de acordo com a qualidade de produção de cada faixa”, diz um executivo. “Tentamos negociar uma gama mais flexível de preços – algo entre R$ 0,50 e R$ 2,50, mas os americanos não arredam pé.” Eles insistem em R$ 1,99. Alguns envolvidos nas negociações dizem que as gravadoras ainda não entenderam a nova tecnologia – e pensam em termos antigos. “A Apple vem com uma proposta clara”, diz outro executivo. “E as gravadoras com sede no Brasil querem elevar os preços. É a velha ganância, que enterrou nosso negócio.”
NOVA OPÇÃO O publicitário Carlos Merigo baixa 70% das músicas que consome. Agora, vai passar a comprar boa parte delas. “É mais prático, rápido e barato” (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA  )
Embora a negociação seja dura, o clima no meio musical mistura “omertà” com euforia. Intérpretes como Paula Fernandes e Belo recebem 10% sobre o faturamento das vendas de cada CD. Astros como Roberto Carlos e Marisa Monte ficam com 50%, porque bancam os custos do estúdio. Se Paula Fernandes entrar no iTunes, a gravadora ficaria com 50% a 70% do valor das vendas. Sua equipe tiraria cerca de 10% da parte da gravadora. “É uma festa para quem está por trás do trabalho de gravações”, diz o produtor Luiz Carlos Maluly, que produz os discos de Paula Fernandes para a gravadora Universal. “A loja da iTunes deverá ajudar a melhorar a situação de produtores, compositores, músicos e intérpretes.” Maluly diz que considera R$ 1,99 um preço justo. “Pode ser baixo, mas é melhor que o nada que a gente ganhava com a pirataria.”
Por isso, os artistas brasileiros se dizem esperançosos. Dezenas deles, ouvidos por ÉPOCA, confirmaram a negociação com a Apple. “Se vai dar certo ou não, eu não sei”, diz Caetano Veloso. “Mas é preciso tentar. É um caminho.” Gilberto Gil acredita que a nova geração de artistas deve estar preparada para o modelo de vendas da iTunes Store. “Não faz mais sentido lançar álbuns inteiros, como antigamente”, diz Gil. “Vale mais a pena lançar músicas e vendê-las separadamente.” Depois de 40 anos de carreira, Lô Borges se considera em transição para o formato digital. “Acho que é a evolução natural das coisas”, afirma. “Agora, meus discos feitos na década de 1980, final de 1970, vão estar disponíveis via iTunes no Brasil.” A esperança de cantoras como Gal Costa ou Paula Fernandes é que a legalização reduza o espaço para as cópias ilegais. “Pirataria é uma coisa horrorosa. Quando passo pelas ruas de Salvador e vejo o povo vendendo CDs piratas, me dá raiva”, diz Gal. “Sou sempre a favor de tudo o que é legalizado. Acredito muito na extinção da pirataria”, afirma Paula.
MÚSICA DE BOLSO Steve Jobs (ao lado) apresenta a terceira geração do iPod nano, em 2010. No mesmo ano, a  iTunes Store passou a vender a discografia dos Beatles (Foto: Ryan Anson/AP)

MÚSICA DE BOLSO
Steve Jobs (no topo) apresenta a terceira geração do iPod nano, em 2010. No mesmo ano, a iTunes Store passou a vender a discografia dos Beatles (Foto: Ryan Anson/AP)

Nos últimos anos, houve diversas tentativas de vender música digital legalmente no Brasil. A maior parte delas não teve sucesso. Primeiro com as operadoras de celular. No início dos anos 2000, elas começaram a vender músicas usando a rede do próprio aparelho. Além da velocidade lenta, o custo por música passava dos R$ 5. As fabricantes de celulares também tentaram. A Nokia lançou celulares que baixavam música ilimitada por um ano. Depois, era só pagar uma mensalidade. Não funcionou. Alguns portais de internet brasileiros também entraram nesse mercado. Mas nenhum deles rivaliza com o iTunes. Desde 2003, o iTunes faturou cerca de US$ 16 bilhões vendendo música. Hoje, segundo estimativas, vende cerca de US$ 300 milhões por mês. Não há garantia de que a venda legal reduza a pirataria. Com a popularização da banda larga, há indícios de que a troca de arquivos, como músicas e filmes, pela internet é cada vez maior. Tanto no Brasil quanto nos outros países. Mas a oferta de música legal e acessível mostra que consumir o produto legalmente pode ser fácil e prazeroso. E, mesmo que não ocupe o lugar da pirataria, pelo menos representa uma fonte crescente de renda legítima. Grande o bastante para sustentar os artistas.
Para ajudar o mercado legal, há expectativa de que dois grandes concorrentes da Apple tragam serviços similares ao Brasil. O Google Music Beta, lançado no início do ano nos Estados Unidos, se propõe a ser o próximo passo n
a evolução da música digital. O serviço permite que o usuário armazene de graça todas as suas músicas e listas de reprodução em servidores remotos e acesse as canções em qualquer computador ou dispositivo com o sistema Android, do Google. A Amazon, conhecida pela venda de livros na internet, entrou na disputa pela nuvem musical em março, com o Amazon Cloud Player, semelhante ao Google Music. A chegada desses serviços e principalmente da iTunes Store anima consumidores como o publicitário Carlos Merigo, autor do blog Brainstorm#9. Ele diz que baixa em sites de download cerca de 70% das músicas que consome. E que os outros 30% prefere comprar em CDs. Merigo acredita que, com a chegada da iTunes Store, vai migrar parte de seus downloads para o serviço da Apple. “É mais pratico, rápido para baixar e barato”, afirma. “Certamente, passarei a comprar mais músicas.” É em gente como ele que apostam Caetano,Gal Costa e Paula Fernandes.
ITunes2 (Foto: reprodução)


ITunes3 (Foto: divulgação (2) , Don Arnold/WireImage, Ethan Miller/Getty Images, Beth Gwinn/FilmMagic, JB Lacroix/WireImage e Jamie McCarthy/Getty Images for Versace for H&M)
Fonte: RevistaÉpoca
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