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6 de jul. de 2011

Escola estadual cria 'sala dos reprovados' para adolescentes

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Escola estadual cria 'sala dos reprovados' para adolescentes de Vila Velha

Alunos repetentes foram postos na mesma turma no colégio Marcílio Dias, em Vila Velha. Eles dizem que são discriminados

EDUARDO FACHETTI - RÁDIO CBN VITÓRIA (93,5 FM)

foto: Gabriel Lordêllo
Escola Estadual Marcílio Dias
Escola Estadual Marcílio Dias

Sedu: "medida não foi pertinente"

A Secretaria de Estado da Educação (Sedu) foi ouvida para se posicionar a respeito da existência da "sala dos reprovados" na Escola Estadual Marcílio Dias, em Vila Velha. De acordo com o superintendente de Educação Antônio Carlos Moraes, o governo desconhecia o problema e vai interferir na situação.

"Não existe nenhuma orientação da Secretaria de Estado da Educação no tocante a essa nomenclatura que foi dada, ou orientação acerca de reunir os alunos reprovados. Não existe nenhuma orientação para que se faça esse acerto, como foi feito. Esse arranjo que foi feito não segue nenhuma orientação e, se fosse, não seria pertinente", disse Moraes.

O superintendente divergiu da explicação dada pelos professores. Na versão do corpo docente, a turma foi automaticamente gerada por um sistema virtual e não havia condições de remanejar os alunos. De acordo com explicações de pedagogos da escola, a alternativa encontrada foi reforçar as aulas para aqueles 30 alunos, tentando melhorar o índice de aproveitamento deles. Isso também não aconteceu.

"Foi um procedimento que a escola fez sem a nossa anuência. Mas, de acordo com a pedagoga, a decisão foi tomada para propiciar a todos os alunos o melhor aprendizado. Não houve a intenção de fazer a exclusão dos alunos; pelo contrário, a ideia era dar impulso para que esses alunos progridam no Ensino Médio".

Moraes garantiu que vai enviar, ainda esta semana, uma equipe pedagógica à Escola Marcílio Dias para avaliar as condições dos alunos, das outras turmas de 1º ano e também do projeto pedagógico. Entre as intervenções possíveis - mas não garantidas - está o desmembramento da "sala dos reprovados".

MPES vai investigar

O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) também se posicionou sobre o caso. Por meio da Promotoria de Justiça de Vila Velha, o órgão informou que vai analisar os fatos e, caso sejam constatadas irregularidades, tomará todas as medidas legais cabíveis.  O MPES informou, ainda, que os pais dos alunos nesta situação devem comparecer à Promotoria de Justiça de Vila Velha para realizar as denúncias.

Relatos de perseguição e discriminação surgem num ambiente que deveria ensinar a inclusão e a igualdade. No momento em que todas as entidades ligadas à Educação discutem os desafios para promover a igualdade entre os jovens, uma escola estadual resolveu "inovar". E, com isso, o ensinamento que fica é o da exclusão. Alunos do 1º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Marcílio Dias, que fica na Barra do Jucu, em Vila Velha, formam a chamada "sala dos reprovados".

A situação chama a atenção não só pelo inusitado, mas pelos detalhes que envolvem a formação da turma. A situação foi denunciada à Rádio CBN por uma mãe de aluno, que prefere não ser identificada. Ela teme que o filho sofra repressões por parte da direção do colégio.

"Todos os alunos lá são tachados como reprovados. Até mesmo os professores e a secretaria os classificam assim. Se você liga para lá e pede alguma informação sobre a turma, eles dizem: 'ah, é da turma dos reprovados'. No meu entender isso caracteriza uma discriminação e até mesmo bullying por parte da escola", comentou a mãe de um dos estudantes do 1º ano.

O relato vai além. Segundo a autora da denúncia, a direção da escola conhece o problema. "A escola alega que agora existe um cadastro geral no MEC e que o remanejamento não pode ser feito. Eu até já pensei em tirar meu filho dessa escola, cogitamos pedir a transferência, mas aquela é a escola mais próxima. Mas prefiro acreditar que a escola vai fazer, sim, o remanejamento desta turma", disse.

Alunos confirmam o apelido

A reportagem foi até a Escola Estadual Marcílio Dias por duas manhãs consecutivas. Neste horário estudam 230 alunos da 8ª série do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio. E todos os estudantes abordados souberam dizer, com facilidade, as características da chamada "sala dos reprovados".

Veja só o que dizem os estudantes Arthur e Ana Carolina. Os dois têm apenas 14 anos. "Eles são uns demônios. Todos que reprovaram se juntaram e virou um inferno", disse o adolescente. Ana Carolina acrescentou: "A minha sala é em frente a deles e realmente existe muita bagunça. Eles 'tacam' fogo na lixeira, cadeira nos professores, amarram cadeiras no ventilador. Coisas desse nível", disparou a aluna.

A direção da escola foi procurada. Professores, que preferem o sigilo, apresentaram à reportagem as atas de duas reuniões realizadas este ano. Dos 30 pais ou responsáveis aguardados, apenas nove apareceram. A escola disse que a formação de uma classe só de repetentes foi feita por uma espécie de sistema gerencial on-line, e que não foi uma escolha pedagógica. O problema não para por aí: no primeiro trimestre deste ano, somente cinco alunos atingiram a nota média necessária.

Além disso, segundo os professores, a turma tem sérios problemas disciplinares. Nas últimas semanas, alunos da "sala dos reprovados" amarraram cordas no ventilador e nas carteiras e ligaram o equipamento. Há alguns dias, um tubo de cola branca foi espalhado na lousa. As infrações são confirmadas pelos estudantes, que não serão identificados para evitar constrangimento.

"Eles cortam a alça das mochilas dos colegas, colocam fogo no armário, amarram cordas no ventilador e jogam cadeiras nos professores. É muito difícil estudar nessa sala, porque quem tem interesse não consegue aprender. É muito ruim, porque alguns professores nos tratam com diferença. É uma situação ruim pra caramba", disse um aluno.

Na "sala dos reprovados", há quem se sinta perseguido pelos professores. "Tudo que acontece na escola é culpa da minha turma. A gente é sempre discriminado e isso não é legal. A turma realmente não é fácil, tem meninos que aprontam e a culpa acaba recaindo sobre todos. Há alunos de outras salas que vêm, provocam, e a gente acaba ficando com a culpa", destacou uma aluna de 16 anos.

Rótulos podem reforçar mau comportamento

Segundo a consultora educacional e presidente do Centro de Estudos do Bullying Escolar do Distrito Federal, Cléo Fante, o que ocorre na Escola Estadual Marcílio Dias não caracteriza bullying, conforme acusou a mãe de um dos alunos. A especialista diz que, por se tratar de uma relação envolvendo professores, diretores e estudantes, o que se observa ali é um grave caso de rotulagem.

"Isso é uma falta de respeito muito grande contra o grupo. A criação do rótulo dos reprovados configura a criação de um estereótipo, mas isso não é bullying", salientou Cléo, que veio ao Espírito Santo esta semana para participar de uma sessão especial na Assembleia Legislativa sobre violência na escola e a prática de bullying.

Cléo destacou, ainda, que enquanto algumas vítimas de bullying e assédio moral reagem com quadros de depressão e distanciamento social, outras acabam se tornando mais agressivas. "Claro que não vamos pensar que toda turma terá esse comportamento, mas alguns tendem a reproduzir aquilo que estão sofrendo e fazer juz aos rótulos que tiveram. Há probabilidade de que haja comportamento agressivo, por parte de alguns, contra professores e alunos. É um sinal de protesto", afirmou.

EXCLUSIVO: gazetaonline

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