NOSSA POLITÍCA

14 de ago. de 2012

Mais umas palavras sobre o polêmico pornô

 Três semanas atrás, recebi a missão de fazer uma capa sobre o sucesso do livro “Cinquenta Tons de Cinza” (Editora Intrínseca). Li as 480 páginas do primeiro volume, que acaba de ser lançado no Brasil, depois de vender 31 milhões de cópias lá fora. Tentei entender, com ajuda de especialistas, o segredo do best-seller… um pornô light para mulheres. E como ele nos dá pistas sobre o desejo feminino. Por causa dessa matéria, O que querem as mulheres?, uma repórter de um jornal de Vitória (ES) me procurou para uma conversa. Compartilho com vocês as respostas que enviei a ela por email, só para botar mais lenha na fogueira. Muita gente opinou sobre o polêmico livro: Ivan Martins achou que falta pimenta para os homens, Ruth de Aquino chamou de pornô para amadores e Contardo Calligaris concluiu que é uma pornografia possível. Tire suas próprias conclusões.

Na edição 740, escrevi sobre o sucesso do livro
e o que ele nos ensina sobre o desejo feminino
- O livro “Cinquenta tons de cinza” está sendo responsável por uma verdadeira mudança no comportamento feminino quando o assunto é sexo. Por que isso acontece, na sua opinião?
Na verdade, para mim, o livro despertou sobre os desejos da mulher moderna. Nós gostamos de sexo, mas ainda é tabu admitir isso. Nós queremos pensar mais em sexo, mas ainda temos vergonha de ir a um sex shop conferir as novidades ou sair com um DVD pornô da livraria. A repercussão em torno de Cinquenta Tons de Cinza permitiu a algumas mulheres deixar de lado esse recato todo – afinal, se a fulana está lendo, que mal há em folhear também? E também levantou o debate sobre as fantasias secretas que podemos ter (e isso não é da conta de ninguém), como a submissão sexual.
- Qual é o segredo do livro?
É um pornô com romance e com aventura. Grey, o protagonista, é lindo, inteligente, bem-sucedido, educado, rico, com corpo atlético. Mas ele tem um lado misterioso, seu fetiche sadomasoquista. Ele propõe à Anastasia, uma virgem indefesa, que seja sua escrava na cama. Ela quer mudá-lo e ter apenas seu amor, vive o livro inteiro o dilema entre assinar ou não o contrato sexual. E a narrativa tem muitas preliminares, em todos os sentidos. A primeira transa dos dois acontece só depois da centésima página. Antes disso, muito diálogo, emails, presentes. É difícil visualizar Anastasia, mas há muitas informações físicas e emocionais para que Grey seja facilmente desenhado em nossa mente. No pornô para homens, o ritmo e o foco são diferentes. A mulher precisa de tempo para fantasiar a situação, não de closes genitais (como acontece nos filmes). O sadomasoquismo também é bem light: um risco bem delimitado. Por exemplo, Grey espanca as nádegas de Ana e depois passa creme de arnica para lhe acalmar a pele. É preciso dizer que a qualidade literária é rala, cheia de clichês, adjetivos bobos e interjeições repetidas (“uau”). Mas algo ali nos algema aos capítulos – talvez a tese de que o desejo feminino se interesse mais pela submissão do que nós possamos admitir. Explico melhor adiante.

- Você acredita que a publicação terá o mesmo efeito aqui no Brasil ou as brasileiras tendem a rejeitar a publicação por algum motivo?
Difícil dizer. Tenho a impressão de que as brasileiras são um pouco mais livres sexualmente, então talvez o livro não revolucione suas vidas como tem acontecido na Inglaterra. Mas isso é só um palpite. Acho que será um sucesso de vendas no Brasil não pela qualidade editorial, mas pelo burburinho em torno da publicação. As pessoas compram porque são curiosas, querem estar por dentro e ter o que comentar nos eventos sociais.
- Por incentivar a submissão, você acredita que as mais feministas possam se sentir ofendidas?
Tenho certeza que as feministas vão se sentir ofendidas. Aliás, lá fora, elas já se organizam em campanhas contra o livro. Acreditam que o sexo narrado ali pode incitar a violência contra as mulheres. Ou que as leitoras podem achar normal o comportamento agressivo e possessivo de Grey, aceitando o mesmo de outros homens na vida real. É claro, essas feministas levaram décadas e brigaram muito por igualdade de direitos entre homens e mulheres. Mas a submissão, segundo os especialistas que entrevistei, faz parte da fantasia sexual de algumas mulheres. Isso porque, depois de tantas conquistas, elas controlam muita coisa no dia a dia: a dieta, os funcionários, a educação do filho, as finanças da casa etc. É confortável para elas não ter que controlar também o sexo. Poder deitar ali e se submeter a um parceiro sexualmente dominador, que lhe garante dor mas também muito prazer.
- Na Grã-Bretanha, o livro foi responsável, inclusive, pelo aumento da corrida aos sex shops. Para as mulheres, de alguma forma, o livro é uma espécie de libertação?
Não dá para generalizar. Talvez seja exagero usar o termo “libertação”. O que acontece, suponho, é que o livro faz com que a mulher pense mais em sexo. E esse é o passo primordial para querer fazer sexo. Você pode destestar essa história de sadomasoquismo (eu mesma não sou simpatizante), mas existe um homem inteligente-gostoso-bonito-poderoso ali, existe sedução, existem preliminares… Talvez a leitora não se identifique com Anastasia, mas reelabore uma cena a partir do que a protagonista viveu nas páginas do livro. Como a trama sexual de Anastasia e Grey usa muitos acessórios, como vendas e chicotes, imagino que tenha inspirado mulheres a sair do tradicional papai-e-mamãe. Daí a corrida aos sex shops…

O pornô light para mulheres já vendeu 31 milhões de
 exemplares lá fora e acaba de ser lançado no Brasil
- Por que é tão difícil para as mulheres se renderem ao erotismo no dia a dia, na sua opinião?
Porque existe um bloqueio cultural. Tudo bem se o menino se tranca no banheiro para folhear uma revista pornô (é bem provável, aliás, que os próprios pais o tenham presenteado com a assinatura), se leva a garota da balada para transar em casa, se anda com camisinha na carteira. Uma menina com o mesmo comportamento, provavelmente, escandalizaria a família. Nós, mulheres, crescemos reprimidas. Ginecologistas já me disseram várias vezes que é comum a criança, ainda bem pequena, querer tocar a vagina. Não com intenções eróticas, mas simplesmente porque traz uma sensação gostosa. E o que aquela tia mais velha vai fazer diante disso: “tira a mão daí já, menina!” Na adolescência, os garotos contam vantagem em rodinhas de amigos sobre a quantidade de vezes que se masturbam por dia. A garota, se conseguir conversar com uma amiga sobre a sua primeira vez, já é um grande passo. Então a sociedade forma uma legião de mulheres censuradas, que não se permitem fantasiar e curtir o sexo de um jeito saudável e natural.
- O livro trouxe benefícios para a sua vida sexual e para o seu casamento?
Todo longo relacionamento sofre com as armadilhas da rotina. Quando você se dá conta, está usando mais o pijama de flanela com ursinhos do que as camisolas de renda. Isso porque amor é conforto e cumplicidade. Você quer estar à vontade com o outro. É uma delícia e também um perigo. Mesmo antes da matéria, eu não me queixava da minha vida sexual. A diferença foi que o livro me despertou para prestar mais atenção às preliminares que levam ao sexo. Um exemplo: enquanto lia os capítulos no trabalho, se algo despertava a minha libido, mandava uma mensagem de celular para o marido. Ou seja, plantava em nós dois o desejo de nos encontrarmos à noite – não apenas para jantarmos juntos. Acho que fiquei mais receptiva e interessada porque o meu cérebro estava voltado para uma narrativa sexual.
- Para você, vale todo o tipo de recurso para apimentar e melhorar o sexo?
Vale, desde que haja consentimento das partes envolvidas. Tudo depende de conversa e, mais do que isso, de sentir/entender o outro. Não adianta aparecer com uma amiga e propor à esposa um menage a trois. Da mesma forma que é arriscado presentear o marido com uma coleira sadomasô sem antes ter certeza de que ele aceitaria uma brincadeira dessas. Essas coisas podem assustar em vez de apimentar. Pior: podem ser lembradas como grande mico.
- Como as mulheres podem melhorar o sexo com o parceiro?
Às vezes, as mulheres (e os homens também) não percebem os sinais sutis que enviam ao parceiro no dia a dia. Se o marido te encontra de pijama, toda desgrenhada, será mesmo que ele vai arriscar uma investida? Ou vai entender que você teve um dia cansativo e tudo o que quer é assistir à novela sem ser incomodada? Esse é apenas um exemplo. Por causa do Sexpedia, o blog da Época que edito, recebo comentários e emails de muitas mulheres. Sempre me chama atenção como elas não conhecem o próprio corpo e de que forma podem ter prazer com ele. Em vez de se apropriarem desse prazer, elas o transferem para o parceiro, como se ele fosse o único responsável por essa proeza. O orgasmo é de cada um, você tem que saber quais caminhos levam até ele. A masturbação feminina ainda é um baita tabu, mas é uma ótima saída para se testar sozinha. Na hora do sexo, demonstre ao parceiro (com sutileza, por favor) onde e como gosta de ser tocada. E explore o corpo dele reparando (respiração arrepio, gemido etc) quais zonas são mais sensíveis.
- Sempre foi tranquilo para você conversar sobre sexo? Como descobriu esse dom para falar sobre o assunto?
Minha mãe é psicóloga e trabalha há vinte anos com sexualidade. Ela dá palestras sobre prevenção de DSTs/Aids e aconselhamento a quem recebe diagnósticos positivos. Aos 10 anos, me vi sentada na cozinha de casa com ela, enquanto me explicava como se colocava uma camisinha (usando uma banana). Disse que aquele plástico era muito importante para me proteger de doenças chatas e sérias como a Aids, “aquela que você ouve falar na televisão e mata as pessoas”. Fiquei tão fascinada que fiz um trabalho de ciências no colégio de freiras em que estudava e distribuí camisinhas para os colegas de sala. Para espanto de pais e da diretoria. Contei a meu pai quando perdi a virgindade e sempre fui conselheira das amigas que não tinham a sorte de um ambiente aberto assim em suas casas. Até hoje, pela facilidade com que ouço e comento sobre os problemas sexuais alheios, acabo sendo solicitada para essas conversas íntimas. O amigo que está arrasado depois de brochar, a colega que perdeu o tesão mas ama o namorado etc…

 Informações: revistaepoca
                                                                                               Atualizado em 14-08-12

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